Condôminos podem ser chamados a responder pelas dívidas do condomínio, sendo permitida, inclusive, a penhora do apartamento que é bem de família.
Imagine a seguinte situação hipotética:
“Prédio Azul” é um edifício residencial de 3 andares, com 6 unidades autônomas, ou seja, 2 apartamentos por andar.
Determinado dia, João estava passando na frente do “Prédio Azul” quando foi atingido por um pedaço de reboco do edifício, que se desprendeu da fachada devido à má conservação do prédio.
João, que ficou gravemente ferido com o acidente, ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o “Condomínio Edifício Prédio Azul”.
O juiz julgou procedente a demanda e condenou o condomínio a pagar R$ 180 mil em favor da vítima.
João iniciou o cumprimento de sentença.
Como não foram encontrados bens em nome do condomínio, o autor pediu o redirecionamento da execução contra os condôminos e o juiz determinou a penhora dos apartamentos, no limite de cada cota-parte. A dívida era de R$ 180 mil e o magistrado determinou que cada apartamento deveria ficar penhorado na proporção de R$ 30 mil.
Isso é possível? É possível que os condôminos sejam chamados a pagar a indenização que foi reconhecida como sendo uma obrigação do condomínio?
SIM. Cada condômino é obrigado a concorrer para o pagamento das despesas e encargos suportados pelo condomínio, na proporção de sua quota-parte, conforme preveem o art. 1.315 do Código Civil e o art. 12 da Lei nº 4.591/64 (que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias):
Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.
Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos.
Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.
Assim, um dos deveres de todo e qualquer condômino é o de ratear (dividir) as despesas condominiais.
Trata-se daquilo que o Min. Luis Felipe Salomão denominou de “solidariedade condominial”, a fim de que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio Condomínio, impedindo a ruptura de sua estabilidade econômico-financeira, o que poderia provocar dano considerável aos demais comunheiros (REsp 1247020/DF, DJe 11/11/2015).
O art. 1.315 fala apenas em “despesas de conservação”...
No entanto, a doutrina e a jurisprudência interpretam essa expressão de forma ampla, de modo que ela “abrange não somente as verbas despendidas com a conservação ou manutenção do edifício (v.g., limpeza, funcionamento dos elevadores, empregados, consumo de água e luz, etc), mas também as destinadas a obras ou inovações aprovadas pela assembléia de condôminos (v.g., ampliação da garagem, instalação de portão eletrônico, construção de salão de festas etc). Inclui, ainda, outros títulos, como a responsabilidade por indenizações, tributos, seguros etc”. (LOPES, João Batista. Condomínio. 10ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 115).
Condôminos são responsáveis pelas condenações do condomínio
Dessa forma, todos os condôminos são responsáveis pelas despesas decorrentes de uma condenação judicial imposta contra o Condomínio.
Imagine que esse acidente aconteceu em 2014. Em 2016, Teobaldo comprou, de Carlos Eduardo, um apartamento no “Prédio Azul” e passou a morar neste local. Em 2017, foi prolatada a sentença condenando o condomínio a indenizar João. Teobaldo poderá se isentar do pagamento alegando que não pode ser responsabilizado por fatos ocorridos antes da compra, ou seja, em uma época na qual a propriedade do imóvel era de outra pessoa (Carlos Eduardo)?
NÃO. As dívidas condominiais são classificadas como obrigações propter rem. Por isso, responde pela obrigação de pagar tais dívidas, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a unidade, não importando que os débitos sejam anteriores à aquisição do imóvel. É o que determina o Código Civil:
Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.
As despesas condominiais, inclusive as decorrentes de decisões judiciais, são obrigações propter rem e, por isso, será responsável pelo seu pagamento, na proporção de sua fração ideal, aquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária ou seja titular de um dos aspectos da propriedade (posse, gozo, fruição), desde que tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio, ainda que a dívida seja anterior à aquisição do imóvel.
STJ. 4ª Turma. REsp 1473484/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2018 (Info 631).
Os condôminos não figuravam como devedores na sentença (título executivo). Além disso, os condôminos não eram partes na execução (cumprimento de sentença). Mesmo assim, é possível redirecionar contra eles a execução e determinar a penhora dos seus apartamentos?
SIM. Como o condomínio é um ente despersonalizado, a decisão que determina o redirecionamento da execução contra os titulares das unidades não viola a autonomia patrimonial nem significa desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, para que os condôminos sejam chamados a responder pela dívida, basta que a execução contra o condomínio tenha sido frustrada.
Esse redirecionamento da execução, contudo, exige cautela, pois o condomínio, embora não tenha sido dotado de personalidade jurídica, possui capacidade processual, devendo figurar no polo passivo da execução, como regra.
A inclusão dos condôminos no polo passivo, portanto, é medida excepcional, que somente deve ser admitida após esgotadas as possibilidades de se satisfazer o crédito contra o condomínio.
Assim, em regra, a execução deve ser direcionada contra o condomínio e a penhora deve recair preferencialmente sobre as reservas financeiras do condomínio. No entanto, se elas se mostrarem insuficientes, deve o patrimônio dos condôminos suportar os ônus da execução.
Uma última pergunta: o condômino poderá invocar a impenhorabilidade do bem de família para desconstituir essa penhora incidente sobre seu imóvel? Essa tese seria acolhida?
NÃO.
Como se sabe, em regra, o bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.
No entanto, o art. 3º da Lei nº 8.009/90 traz uma lista de exceções a essa regra, ou seja, situações nas quais será permitida a penhora do bem de família.
Uma dessas exceções está no inciso IV, que diz o seguinte:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
Quando a lei fala em “taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar”, o STJ interpreta essa expressão de modo amplo e diz que estão incluídas aí todas as “despesas condominiais”.
Assim, é plenamente possível a penhora do bem de família quando a dívida é oriunda de cobrança de taxas e despesas condominiais (STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1642127/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/10/2018).
É possível a penhora de bem de família de condômino, na proporção de sua fração ideal, se inexistente patrimônio próprio do condomínio para responder por dívida oriunda de danos a terceiros.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.473.484-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2018 (Info 631).